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Descrever


Amo escrever,
Soltar verbos e adjetivos no papel.
Transmutar-me em cada letra que escrevo
Ir devagarinho me reinventando
E quando penso que tudo está bem...
Apago, rasgo, borro e continuo a construir-me
Em cada frase posso ser artista ou plebeia
Posso estar escondida ou escancarada como numa janela
Mas sempre de forma subliminar, gosto de testar
Provar o gosto das imaginações.
Marginal, racional, desigual, virginal ou sem definição.
Sempre uma surpresa, uma incógnita.
Abuso de expressões nada vulgares
Gosto do belo, da estética, da métrica
Do assimétrico também
Sou amorfa quando começo a compor-me
Tomo a forma que desejar
Crio asas como passarinho
Ou conchas de madrepérola
Sou dele ou dela
Depende do nome que adquira
Mistura apetitosa como cambuquira
Dengosa, manhosa como marola em areia fina
Nada grã fina, sou povo
A morena que servia pão
Ou o pão que matou a fome
Mas gosto do que é mel
Lambuza na boca
Se esquece pecado
Por doce e fluido
Se come molhado
Se torna gemido
Se for apressado
E retira de onde se torna encorpado.

Marta Vaz

O nu


Por que o corpo nu causa tanta polémica ou espanto?
Nascemos nus e nos vestimos para proteção.
Nos banhamos nus para remoção das impurezas.
O corpo nu é o natural dos seres;
É o puro.
Nossa essência humana é nua.
Quanto mais valorizamos o nu,
Inversamente é a distância da evolução intelectual.
Quanto menor a assimilação da civilidade,
maior a necessidade da fluência da libido.
Quando o homem domina seus instintos,
deixando o intelectual aflorar,
notória será a evolução intelectual da sociedade.
As Artes já se utilizavam do nu como expressão da beleza.
Mas não encontraremos no berço da cultura artística o apelativo.
Se prevalecer da expressão nua do corpo para denominar arte,
ao meu ver é simplesmente nivelar por baixo quem aprecia uma boa arte.
Existe uma diferença entre o nu como expressão e o erotismo.
Fazer do nu expressão erótica crua e chama-lo de arte
é aproveitar somente a parte instintiva dos que infelizmente estão em maioria.
Qual é a verdadeira necessidade dos seres humanos explicitarem suas preferências sexuais?
E por que tantos aplaudem essa exposição, sabendo que seus desejos são voláteis?
A medida que um artista se expõem maior será sua distância dos que a ele aprecia.
Os que mais usam e abusam da libido, são os que maior número de seguranças vão possuir.
Desejar uma pessoa por ser instigante é um preço muito alto;
quem o faz cria um envolvimento psicológico deletério, sofre, chora e ainda diz ser amor.
Será que realmente existe espaço para o amor, onde só se deseja momentos?
O nu hoje é sinonimo de sexo, libido, desejo, erotismo e satisfação do momento.
É o retorno ao instintivo, ao primitivo é aculturar.
Mas como ser diferente quando a intelectualidade é só para os privilegiados?
Enquanto o apelativo se vende e se compra muito,
sustentamos a desigualdade intelectual e social cronica de um país.

Marta Vaz

Movimento e sentimento


Seguro o choro
Na garganta embargado está um nó
Tudo que engulo arranha ao passar
Não nego minha dor, a saudade.
Tenho pressa, o trem não para;
Olho miragens em outros olhos.
Jogam com o amor,
como as migalhas aos famintos.
Sinto fome de amor...
Mas não aceito as migalhas, as sobras.
Pois quem vive no amor se completa,
não se despedaça por momentos apenas.
Sinto o vento em meu rosto,
afagando meus cabelos.
Sinto cada pêlo do meu corpo arrepiar.
Vi o mar, e tantos homens a beira d'água,
Senti a paz de Deus se instaurar em mim.
Desejei mais amor...
E a lua estava fria como o vento;
Meu coração quente, acelerado...
Por momentos pensei no caminho.
Mas a distância se agigantava sem parar.
E o trem parou, senti calafrios de dor;
As lembranças eram inevitáveis.
E o tempo não parou;
Só minhas pernas tremulas de pavor.
Mais uma vez o sonho acabou, mais uma vez passou...
E o que resta é a esperança que as rosas voltem;
Que o perfume se espalhe no ar.
E que eu não fique parada na estação.
Sou puro movimento,
Até quando Deus quiser.

Marta Vaz

Inspiração e o silêncio


Guarda contigo a raiva retida,
O nó na garganta
A flor escondida.
Guarda contigo tudo que fui.
Uma artista, uma anónima;
Uma pessoa apenas risonha.
Guarda também aquele meu sorriso,
Que de improviso se fez canção.
Guarda meu coração?
E se ainda der, o meu silêncio...
Guarda como numa melodia!
Escute-o e faça uma letra,
Para não esquecer quem fui;
Ou se realmente fui alguém para você.
Guarda, esconde minhas fantasias,
Minhas ironias tolas, infantis.
Guarda meu matiz, minha pele.
Minha roupa, que um dia provocou aplausos.
Mas hoje sou eu quem vou aplaudir;
Por tudo que me fez ouvir,
Ler, escrever e provar.
Aliás nada tenho o que provar...
Só a mim que ainda existo,
No silêncio das palavras escritas, insisto.
Derramar-me em pura inspiração.

Marta Vaz